Quem nunca atrasou uma entrega que atire a primeira pedra. Cumprir a promessa da entrega de um projeto, mercadoria, obra ou resultado é um dos maiores desafios do mundo corporativo e também da vida pessoal. Um famoso estudo da Harvard Business Review aponta que 70% dos projetos de TI são entregues fora dos prazos.
Falando em prazos, lembro sempre dos casos ocorridos com obras de reforma de imóvel. Cem por cento das histórias que ouvi o atraso aconteceu. E não foi pouco!
Estes dias, meu pai resolveu fazer uma pequena reforma no apartamento que vive com sua esposa e meu irmão. A ideia era apenas trocar o piso da sala que estava desgastado. Decidiu alugar um apartamento no AirBnB enquanto realizavam a reforma, que estava prevista em quatro semanas.
Quando ele me afirmou isso, eu imediatamente disse: vai atrasar, com certeza. “Não vai, filho. Pegamos um empreiteiro de ótima qualidade, com muitas referências”, afirmou ele. Eu sugeri uma aposta qualquer. Ele perdeu a aposta.
Por que os projetos atrasam se já sabemos de antemão que irão atrasar?
Todos buscamos previsibilidade para podermos tomar decisões assertivas no futuro. Existe um conceito na gestão de projetos que é o caminho crítico. As tarefas que compõem o caminho crítico são encadeadas de tal forma que, se uma atrasar, todas as tarefas subsequentes atrasarão também.
Existem duas formas de trabalharmos com prazos: projetos e metas. No caso de projetos, a pergunta é: você tem esse escopo para entregar. Quanto tempo precisa?
Metas são usadas nas batidas operacionais e definem prazos periódicos, como, por exemplo, mês a mês. Neste caso, a pergunta a ser feita é: o quanto você consegue entregar dentro deste período?
E quando essas perguntas são respondidas, entra em jogo o principal componente responsável pelo cumprimento dos prazos.
O fator psicológico: Como o nosso cérebro funciona com prazos
Se o prazo está muito longe, ficamos tranquilos. Conforme a data se aproxima, a tensão aumenta e o ímpeto pela execução do combinado cresce. O clássico “estudar só na véspera da prova”.
A aproximação do deadline faz aumentar exponencialmente o senso de urgência. Mas por que não temos esse senso já no início do projeto? A resposta é clara: o prazo está muito longe. O nosso cérebro não entende que temos muitas coisas a fazer até lá. Por isso a importância de se definir milestones.
O fator cultural: Todo mundo atrasa
No Brasil, os atrasos são vistos com normalidade, seja chegar atrasado a uma reunião, almoço ou qualquer outro compromisso. “Foi o trânsito” é uma desculpa comum. Mas então por que não sair mais cedo e dar uma margem de segurança?
Devemos respeitar o nosso tempo assim como o tempo dos outros. O oposto do caso brasileiro é a “pontualidade britânica”, que traz previsibilidade e maior segurança aos envolvidos.
O atraso a compromissos pontuais se estende a entregas e projetos. Conforme o estudo citado acima, 70% dos projetos de tecnologia atrasam. Então, estamos dentro da média.
Porém, para quem busca excelência, honrar compromissos deve ser sempre prioridade.
Timebox: A Janela de Tempo
Existe um outro fator, mais complexo, que contribui bastante para os atrasos. Uma característica do comportamento humano em relação às tarefas foi enunciada com maestria pelo escritor britânico Cyril Parkinson. Ele afirma que:
“o trabalho se expande de modo a preencher
o tempo disponível para a sua realização”.
Temos a forte tendência de ocupar todo o tempo disponível para completar uma tarefa. Tenho exemplos pessoais muito claros. Já fiz palestras com semanas de preparação e apresentações onde eu tinha uma pequena janela de tempo para me preparar.
Também já me deparei adiando atividades que eu acreditava que levariam horas para fazer e depois constatei que poderia ter feito em menos de uma hora. Para explicar isso, cito novamente o escritor acima, com a continuação de sua afirmação:
“Quanto mais tempo, mais importante e
exigente o trabalho parece.”
A solução para mitigar este forte viés humano se chama timebox. Um timebox tem um início e um fim muito bem definidos, planejados anteriormente. Eu irei ocupar exatamente aquele tempo para concluir a minha atividade. Vou fazer o melhor que posso nesse intervalo, mas não vou ultrapassá-lo. Isso gera senso de urgência e senso de urgência força o nosso foco.
Neste seminal artigo da Harvard Business Review são citadas vantagens de se utilizar o timebox para o planejamento do tempo. Muitas vezes gastamos mais tempo numa tarefa do que deveríamos e utilizar timebox faz com que realizemos a tarefa dentro do tempo estipulado, sendo muito mais produtivos.
É interessante notar que, quando se define um dia para entrega, sem um horário específico, a entrega normalmente é feita bem ao final do dia. Novamente, a Lei de Parkinson sendo aplicada.
Desde que comecei a aplicar o conceito na minha agenda, consegui resolver muito mais assuntos do que resolvia antes. Consigo me envolver o necessário em cada área da Econodata e indicar aos gestores as prioridades que devem ser trabalhadas.
Outro ponto que consome muito tempo no trabalho corporativo são as reuniões. Existe, inclusive, uma piada para isso:
“sobrevivi a mais uma reunião
que poderia ter sido um e-mail”.
Uma ação incisiva para tornar as reuniões muito mais objetivas é definir um intervalo de tempo para elas.
Segundo Carla Tieppo, neurocientista e professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o nosso cérebro consegue se fixar num único objetivo por apenas, no máximo, 50 ou 60 minutos.
Existem diversas outras ações para tornar as reuniões mais produtivas. Uma delas é não ultrapassar este período, se definindo um horário de início e de fim.
Dividir para conquistar
Quando temos projetos muito longos, a deadline parece muito abstrata. São necessários milestones (entregas intermediárias) para tornar mais palpável o que está sendo entregue.
Milestones são entregas parciais com prazos mais curtos, que trazem maior visão do que é necessário para se chegar lá. São checkpoints definidos formalmente para direcionar o time no caminho que vai levar até a entrega final. São literalmente “pedras no caminho” que apontam na direção correta. Longo prazo e curto prazo devem conversar para haver uma entrega consistente. Não é à toa que os sprints da metodologia Scrum duram em média duas semanas.
O SLA (Service Level Agreement), ou nível de entrega adequado, também deve ser definido de antemão. Às vezes, é melhor entregar algo parcial que funciona com uma qualidade razoável do que uma série de itens inacabados que não funcionam, onde se estava buscando qualidade máxima (mindset muito comum na tecnologia).
As entregas parciais devem ser atômicas, ou seja, passíveis de se revisar e testar o que está sendo entregue, tornando a entrega parcial mais concreta.
Hoje muito se fala em MVP (Mínimo Produto Viável), que justamente busca o desenvolvimento rápido e pragmático de produtos.
É importante alinhar também o prazo das entregas dos milestones entre os envolvidos. William James, famoso escritor, filósofo e médico considerado um dos pais da psicologia moderna, falava que, para aumentar as chances de sucesso, devemos tornar o compromisso público.
Assim, outra questão a ser considerada é definir muito bem o escopo do que deve ser entregue. E sempre é possível fazer mais coisas. Pode-se melhorar a qualidade da entrega. Adicionar novas features. Apresentar um layout melhor. As possibilidades são infinitas.
Assim, o escopo deve conter o que fazer e o que não fazer. A famosa lista de prioridades. Identificar os pontos cruciais a serem entregues em cada milestone faz parte do caminho para o sucesso.
Como disse Steve Jobs:
“decidir o que não fazer é tão importante
quanto decidir o que fazer”.
Definindo os prazos com responsabilidade
Quando se define o compromisso entre as partes, é preciso estabelecer um prazo para dar um mínimo de previsibilidade para a operação.
Por exemplo, suponhamos que o time de marketing está construindo o calendário das pautas para divulgação durante o trimestre. Novas features de produtos serão desenvolvidas.
O marketing precisa saber quando serão entregues as novas funcionalidades para ter tempo de preparar o material com o conteúdo associado nos canais planejados.
Sempre haverá incertezas. Para quem está incumbido de assumir a deadline, cabe assumir também o risco das incertezas associadas. É claro que ninguém tem certeza absoluta de nada (a não ser da morte e de pagar impostos), mas “matar no peito” esta responsabilidade faz parte do papel.
Quanto maior for o nível da liderança, mais será cobrada em relação a isto. Esta atitude gera confiança no time e respeito por parte do responsável.
Na definição do prazo, também cabe a negociação. Um ótimo aspecto da cultura da Ambev é estipular o “prazo do prazo”, que nada mais é do que dar um prazo para o responsável poder analisar os aspectos envolvidos e assim passar o prazo final com maior segurança.
Muitos gestores utilizam a famosa margem de segurança para poderem ficar um pouco mais tranquilos quanto a sua entrega.
Essa abordagem deve ser utilizada com muita cautela, visto a questão do timebox acima. Além disso, eles podem perder credibilidade quando usados de forma exagerada.
Importante também é o gestor estipular um prazo plausível, realista. A tendência da maioria dos seres humanos é serem otimistas, e para este caso o otimismo exacerbado pode atrapalhar.
Negociar de forma razoável, sem ceder a pressões exageradas e irrealistas também faz parte do processo.
Ajustes e incertezas
Outro ponto crucial para mitigar riscos é o planejamento de POCs – Provas de Conceito. Elas ajudam a descobrirmos, como chama Nassim Taleb, o “desconhecido desconhecido”, aquilo que não sabemos que não sabemos.
Elas devem ser feitas em um curto espaço de tempo e sempre com os objetivos bem definidos, o que normalmente significa trazer respostas que ajudarão na tomada de decisão.
Identificar fatores de risco também é fundamental. Deixar estes fatores expostos ajuda a identificar possíveis necessidades de alterações de prazos antecipadamente.
Se um potencial atraso for identificado, deve-se avisar imediatamente os envolvidos (levantar a bandeira amarela). Esta é uma das partes mais difíceis da gestão dos prazos.
Os gestores mais inexperientes ficam constrangidos ao anunciar um atraso, mesmo que antecipadamente. Muitas vezes acreditam que conseguem recuperar o tempo perdido e assim cumprir a deadline inicial.
O que acaba acontecendo, nestes casos, é que não se consegue recuperar o prazo e eles avisam muito próximo da deadline (levantando a bandeira vermelha). Tarde demais. O impacto será muito maior, causando muito mais prejuízos do que se o aviso tivesse sido feito com antecedência.
Como diz o ditado, mesmo que dobrarmos os esforços, duas mulheres não conseguem dar à luz a uma criança em quatro meses e meio.
Prazos: para não atrasar mais
É possível gerar previsibilidade por meio da estipulação correta de prazos e acompanhamento adequado. Eventuais atrasos acontecem (comigo também) e a ideia é aplicarmos a melhoria contínua para que os atrasos cada vez sejam menores e menos frequentes.
Embora se dar conta que um atraso irá ocorrer seja desagradável, levantar a bandeira amarela é muito melhor do que levantar a vermelha. Nada pior para um stakeholder saber em cima da hora que o projeto não será entregue.
Sprints, milestones, provas de conceito e MVPs são mecanismos adequados para diminuir o risco de um projeto não ser entregue. É melhor entregar algo palpável no prazo intermediário definido do que entregar algo que não tem utilidade.
Comece pequeno, sendo pontual a pequenos compromissos e as suas timeboxes definidas, que isso gera um senso de cumprimento de deadlines.
Automaticamente isso vira um hábito e, como disse Aristóteles…
“Primeiro nós fazemos os nossos hábitos.
Depois os nossos hábitos nos fazem.”